Review: Death Stranding

O grande enigma da Kojima Productions surpreende em criatividade, qualidade e inovação

Edisson Schwartzhaupt
8 min readDec 5, 2019

Não contém spoilers

Em 2016, o diretor de jogos Hideo Kojima lançou o teaser do seu primeiro projeto independente após sair da Konami, empresa na qual se consolidou como criador da franquia Metal Gear Solid. Produzido pela Kojima Productions, Death Stranding foi lançado no dia 7 de novembro de 2019 como exclusivo temporário do Playstation 4, e repercutiu de forma mista àqueles que puderam jogar.

História

A trama se passa num mundo pós-apocalíptico, onde um fenômeno de aniquilação, chamado “Death Stranding”, desencadeou uma nova forma de divisão entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Nessa realidade o mundo dos mortos encalhou no nosso, porém nossas interações não se dão de formas usuais. Os BTs, por exemplo, são seres que não te enxergam, e não podem ser enxergados por ti, porém podem te localizar através do seu movimento e de sua respiração. Nessa distopia futurista somos o entregador Sam Porter Bridges, que carrega recursos importantes na superfície hostil e perigosa á vida, enquanto os demais sobreviventes permanecem escondidos no subsolo, a fim de evitar fenômenos como a timefall ou os BTs.

Criativamente absurdista, a história de Death Stranding se justifica bem ao tomar embasamento em teorias científicas, filosofias, mitologias e análises teológicas. Todos personagens tentam, de algum jeito, compreender o fenômeno Death Stranding e o impacto dele em suas vidas. Esse conteúdo é o que temos nos diálogos que acessamos conforme progredimos nossa relação com os demais personagens. Ao realizar entregas vamos criando laços e nos tornando íntimos — algo semelhante aos social links da série Persona. Durante boa parte de Death Stranding as respostas que obtemos provêm dos personagens presentes na ficção, e durante seu decorrer vamos especulando e descobrindo a verdade aos poucos.

Todo desenvolvimento de personagens acompanha uma ótima atuação de todos atores que Kojima selecionou, com Sam (Norman Reedus), Fragile (Léa Seydoux), Cliff (Mads Mikkelsen), Higgs (Troy Baker), entre outros. Seu fascínio por cinema está mais do que claro aqui, e podemos encontrar diversas referências cinematográficas. Suas cutscenes com gráficos ultra-realistas dão a impressão de que o jogo parece mais um filme. Porém não. O gameplay é de longe onde mais passamos tempo, assim como lendo arquivos, e-mails e dicas, que nos ajudam a compreender a história e sua jogabilidade.

Durante nossa missão de reconectar a América através da Chiral Network, realizamos a entrega de recursos e nos conectamos com personagens secundários para adiciona-los à rede. Assim expandimos o território explorado conforme progredimos, mas também passamos mais tempo nos locomovendo entre diversos pontos que completam o terreno da América. Inclusive, contemplar seu mundo vazio é um ponto que se torna recorrente durante o progresso, pois as paisagens e a natureza — inspiradas na Islândia — casam com os belos visuais da Guerrila Engine, a mesma utilizada em Horizon Zero Dawn. Pra completar ainda temos uma imersão grande pela trilha sonora introspectiva — com destaque para as músicas de Low Roar — e pelos efeitos sonoros que são detalhados, marcantes e imersivos.

Nessa jornada em que reconectamos não só o mundo, mas nós jogadores, percebemos a profundeza dos conceitos de Death Stranding, como a quiralidade — a ideia de uma mão espelhada. Tudo gira em torno desses pequenos símbolos, e isso se reflete em situações absurdas até demais. Sim, a história de Death Stranding é completamente viajada e esquisita, mas é também rica e instigante. Durante todo tempo ficamos tentando encontrar respostas e entender as teorias sobre o quê acontece na distopia de Kojima. Mistério esse que é teorizado desde o anúncio do próprio jogo.

Jogabilidade

Pra ficar mais fácil de entender, é válido abordar os aspectos do sistema de sua jogabilidade, e o que torna ela tão complexa. Nós temos um objetivo simples em Death Stranding: entregar um pacote de ponto A ao ponto B, em um mundo aberto com diferentes tipos de ambientes, climas e inimigos. Conforme progredimos nesse mundo, temos variadas opções de como fazer essas entregas. Parece simples carregar um pacote até um ponto, porém só o andar já é carregado de sensibilidade, qualquer objeto que esteja carregando é um peso a mais que você irá sentir. Acaba sendo levemente desafiador, e justificando o porquê de termos opções customizáveis de equipamentos, veículos, armas e recursos, utilizados durante as entregas.

A variedade dos meios condiz com os desafios que encontramos no caminho, como ladrões de cargas(MULAS) ou BTs - os seres fantasmagóricos que nos obrigam a jogar de forma cautelosa e silenciosa. A timefall, por exemplo, é uma chuva que acelera o tempo e envelhece o que toca, danificando as cargas que levamos. Nas partes de ação nossos movimentos se assemelham com Metal Gear Solid 5 e Horizon Zero Dawn, na movimentação silenciosa, combate e também na coleta de recursos. A forma como armazenamos materiais utilizados para produzir novos equipamentos se assemelha um pouco ao que temos na Mother Base de MGS 5. Tudo gira em torno da entrega de itens. E nessas entregas experienciamos momentos contemplativos e solitários, o que leva ao aspecto que preenche a solidão e o vazio do enorme mundo de Death Stranding.

Strand System

Basicamente temos uma função online em Death Stranding que nos permite repassar objetos ou avisos para outros jogadores. Não nos encontramos com eles, mas certos materiais ou mensagens se tornam visíveis para quem está conectado – conforme o objeto é aprovado através dos likes dos próprios jogadores. Nisso, acabamos usufruindo de um meio de interação na nossa solitária jornada, o quê muda drasticamente a experiência. A criação desses itens se faz com recursos recolhidos durante o progresso, e para se ter uma ideia, podemos posicionar escadas, pontes ou tirolesas, que facilitarão travessia de montanhas e rios, e estas podem chegar em todos os players.

Este aspecto online é o que torna a experiência de Death Stranding única, e faz alusão direta ao tema principal do jogo: as cordas e as conexões. Basicamente tudo no jogo se baseia no conceito de conexão, e em sua história não é diferente. Muitos aspectos são interpretativos e simbólicos, mas também fundamentais para entender os conceitos bizarros que dão sentido aos demais elementos da trama.

Áudio e Visual

Death Stranding nos entrega qualidade em diversos quesitos. Como sua história diferente e densa, que casa perfeitamente com seus sons e seus visuais. A potência gráfica impressiona, desde os designs de personagens até os ambientes que passamos– e que passam por um ótimo desempenho. Provavelmente aqui temos o jogo mais bonito graficamente do Playstation 4. Além disso, os designs das roupas, construções, equipamentos e monstros lovecraftianos se mostram de muito bom gosto.

Quanto ao trabalho feito no áudio, presenciamos mais uma vez uma seleção incrível de trilhas sonoras. As musicas são introspectivas e te jogam no sentimento de desolação da realidade de Death Stranding. Boa parte delas carregam uma carga dramática, mesclada com uma ambientação sci-fi no melhor estilo Arquivo X e Alien. Não só isso, mas as atuações, as dublagens, e até os pequenos efeitos sonoros — como pequenas pedras caindo — ficam na cabeça.

Custo-Benefício

Death Stranding custa R$249,90 na PSN, mas pode ser encontrado por valores mais baixos internet adentro. Embora o valor seja alto, seu preço reflete a grande quantidade de conteúdo. Para sua conclusão o mesmo exige em torno de 45 horas de gameplay — o tempo que se leva para zerar um Final Fantasy. Válido ressaltar que o jogo será lançado para PC também, 6 meses após seu lançamento.

Além da história principal, que conta com longas cutscenes e muitas horas de entregas, temos o conteúdo secundário. Estas são entregas à parte que podemos concluir para evoluir nossa conexão com determinados personagens, e assim saber mais sobre sua história. Completando essas missões opcionais, pode se chegar facilmente à 80 horas de jogo.

Atualização 17/06/2021: Death Stranding recebeu uma versão na Steam em 2020. Atualmente uma versão com conteúdo extra foi anunciada para o PS5 e se chamará Death Stranding Director’s Cut.

Considerações Finais

Desde seu primeiro teaser, Death Stranding se provou um grande enigma, um mistério que sempre levantava novas dúvidas conforme saia seus trailers. Com o jogo enfim lançado, percebemos que ele preserva suas dúvidas de forma impecável. Nenhuma resolução da história é suficiente em Death Stranding. Sempre passamos à enfrentar novos desafios para compreender o universo que Kojima criou. E no meio disso temos reviravoltas emocionantes, que só nos prendem ainda mais aos seus personagens e narrativas. Só por isso, esse novo título já merece ser experimentado.

Enquanto temos qualidade e criatividade em praticamente todos aspectos, podemos destacar a jogabilidade como ponto determinante à adesão ao Death Stranding. Apesar de inovadora e cheia de detalhes, a jogabilidade não é necessariamente divertida, e pode dividir muitos gostos. No entanto, o Strand System é algo que merece ser explorado e testado para ao menos compreender a essência desta nova ideia. E mesmo que este não seja cativante o suficiente, toda atmosfera criada pelas trilhas e ambientação tornam o jogo contemplativo e curioso.

Nesse universo profundo e denso, somos levados à uma carga emocional no melhor estilo Evangelion. Durante essa jornada nos preparamos para não apenas nos divertir ao jogar, mas também para lidar com dificuldades e sentimentos difíceis. Essa boa dosagem de emoção acaba refletindo também à um estado crítico sobre as conexões entre os humanos através da tecnologia, mas também sobre estados políticos e até à própria industria dos videogames. Portanto, mergulhar em Death Stranding é aceitar questionar junto com o jogo conforme somos arrastados de uma entrega à outra.

Nota final: ???

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