Idas e Vindas em Chungking Express

Edisson Schwartzhaupt
3 min readOct 9, 2020

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Chungking Express (1994), dirigido pelo renomado diretor Wong Kar-Wai, é um drama que expressa e naturaliza um aspecto passageiro da vida: o amor. Romântico até o ruir da palavra, o longa se passa nos centros comerciais de Hong Kong, em grande parte numa lancheria. Não por acaso, essas localizações contextualizam bem a temática do filme, sendo Hong Kong na época uma colônia britânica, que passara por uma severa ocidentalização.

Nestes lugares presenciamos duas histórias de amor protagonizadas por dois policiais. Cop 223, um homem fissurado por abacaxi em lata — uma marca do diretor — que em sua indagação sobre a data de validade do amor se apaixona por uma mulher que utiliza peruca loira. Já Cop 663, um viciado em salada do chef, tem uma relação complexa entre uma comissária de bordo e uma outra garota chamada Faye, e se atém ás lancherias como pausas pro seu expediente.

Dito isso, percebe-se o ir-e-vir como um elemento fundamental. A correria dos centros comerciais e o ritmo da vida urbana se refletem na “estética de lancheria de rodoviária” presente no filme. Sendo este lugar o próprio respirar nas duas horas de duração do longa. Presenciamos aqui os momentos de tensão comunicativa, entre nós e entre os próprios personagens. As mudanças de Hong Kong são ilustradas em marcas de companhias ocidentais que roubam o brilho em luzes neon — ambientação e contexto muito comum em filmes do gênero cyberpunk, como Ghost In The Shell (1995) ou Blade Runner (1982).

Com certo teor autobiográfico, Chungking Express é fruto de uma pausa que o diretor Wong Kar-wai fazia ao gravar Ashes of Time (1994), um outro projeto mais ambicioso. E de fato o filme se apropria dessa viagem com passagem de ida e volta como um símbolo das relações humanas. A narração ilustra tudo isso de forma poética e com diversas metáforas, demonstrando aqui a figura da própria “viagem” que ao ir de um lugar para outro acaba não permanecendo em lugar nenhum. Mesma temática de outro trabalho do diretor, chamado 2046: The Secrets Of Love (2004), mas este puxando para um delírio mais sci-fi do narrador.

Assim como na narrativa profunda e dinâmica, a estética do filme se sobressaí, proporcionando longas cenas em câmera lenta, envoltas no mais melancólico jazz— sensível e pontual em suas notas — mas também na música California Dreamin’ — que surge centenas de vezes. Não por acaso, o tema ilustra bem os sonhos profundos que se escondem nos personagens — e se perdem no correr dos dias. Tudo retratado numa qualidade lo-fi que não almeja a perfeição, mas por ser espontânea, criativa e dinâmica, acaba chegando lá.

Por fim, Chungking Express flui no sentido mais profundo da palavra. A lancheria que é tomada aqui como o rio de Heráclito, se revela um ponto de transformações durante toda a trama. A narrativa é concisa, mas se mostra solúvel de tempos em tempos, revelando um teor artístico que é figurado nas falas do narrador, nos movimentos lisérgicos de câmera e na valorização de pausas contemplativas. Tanto os sons estourados quanto o silêncio te afundam na mais profunda solidão, que os personagens carismáticos também parecem sentir no vai e vem do dia a dia. Como um retrato contemporâneo, Chungking Express faz bem ao dizer no não-dizer.

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