A Vontade e o Sofrimento em Dark

Edisson Schwartzhaupt
3 min readJul 10, 2020

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No dia 27 de junho foi lançada a terceira e última temporada de Dark, a aclamada série alemã da Netflix. Com o objetivo de amarrar as pontas soltas de suas temporadas, esta última parte não hesita em complicar seu enredo ainda mais, fazendo um ótimo trabalho explicando nas entrelinhas os acontecimentos que formam esse câncer na pequena cidade de Winden, tanto no aspecto científico quanto no filosófico. Na segunda temporada, a série inicia com uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, fazendo alusão à teoria do Eterno Retorno: a ideia de que a vida se repetiria eternamente. Sendo assim, o começo seria o fim e o fim seria o começo. Uma realidade em Dark.

Já na terceira temporada somos recebidos pela frase de Arthur Schopenhauer: “O homem é livre para fazer o que quer. Só não é livre para querer o que quer.” Em “O Mundo e a Vontade como Representação”, o pensador explica que o ser humano é movido pela sua vontade e não tem controle sobre isso. Cada indivíduo só pode conhecer sua própria vontade. Dessa forma, reconhecemos os outros indivíduos apenas por representações de suas respectivas vontades. Christopher Janaway, professor de filosofia e especialista em Schopenhauer, explica esse olhar pessimista quanto ao sofrimento existencial do ser humano:

“…Sendo nós criaturas vivas, de caráter material, nossa existência corriqueira é dotada de tal natureza que temos de nos empenhar em busca da realização de fins. Porém, argumenta Schopenhauer, um ser voltado para o empenho por fins e que tem consciência de seus fins e de sua realização ou frustração é um ser que sofre. Parte disso pode ser compreendido em termos de egoísmos. No âmbito de uma multiplicidade de indivíduos, todos eles obrigados a se empenhar pela própria existência, ocorrem conflitos entre fins e, na hipótese de não haver a misteriosa intervenção da compaixão, disso resulta o sofrimento.” (JANAWAY, 2003)

Esta referência a Schopenhauer reflete não só os diversos dilemas que os personagens passam por não conter sua própria vontade, mas também faz referência à raiz de todo o mal de Dark, o resultado do embate desse nó de vontades: o sofrimento. O sofrimento é a causa maior que resultou na confusa trama, e isso é refletido o tempo todo na relação entre os protagonistas e suas expressões de desespero. O ser humano é naturalmente sofredor por desejar no campo das ideias e não se satisfazer com a realidade. Para Schopenhauer, a única forma de evitar o sofrimento é suspendendo a própria vontade — um aspecto parecido com a linha de pensamento budista — . Porém, não é bem neste caminho que a série vai. Neste último ciclo, a série tenta se redimir de todo seu caos profético e absurdo, cheio de simbologias mitológicas e bíblicas, como Adão e Eva. Tudo isso mesclado à teorias científicas, nas quais o mundo de Dark mantém sua estrutura e adquire uma autenticidade criativa.

Nesta última temporada passamos a entender mais a ciência de Dark e os mistérios da usina nuclear. Sua trama traça paralelos com teorias físicas, como o Bóson de Higgs e o Gato de Schrodinger. Como resultado disso, temos a personagem Martha em destaque, salientando o tema da dualidade na série— um aspecto sempre presente, visto desde sua primeira temporada, nas enigmáticas aberturas, mas que agora se sustenta pelos dois mundos que a série mostra — .

Por fim, Dark finaliza no tempo certo e não deixa de embaralhar nossa cabeça com a quantidade de informações absorvidas em cada episódio. Apesar de seu universo ficcional, vale a pena refletir sobre os dilemas humanos que a série propõe, tanto na filosofia, quanto na ciência e na teologia. Dark é certamente uma das melhores séries produzidas pela Netflix, e se consagra agora como sinônimo de qualidade. Para entender e compreender detalhadamente toda a trama, vale a pena algumas assistidas em suas três temporadas.

Referências:

JANAWAY, Christopher. SCHOPENHAUER. Edições Loyola, São Paulo, Brasil. 2003.

SCHOPENHAUER, Arthur. SOBRE A VONTADE NA NATUREZA. Porto Alegre, RS: L&PM, 2018.

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